Tenho o hábito, apelidado de péssimo por alguns e nem tanto por outros, de acumular jornais que, por uma razão ou por outra, não consigo acabar de ler no timming correcto...
Fico cada vez mais com a noção de que há uma repetição e ciclicidade na maioria das noticias, realidades e acontecimentos que preenchem o mediatismo dos meios de informação... Muitas vezes em deterimento dos grandes temas internacionais e/ou temas locais de real importância.
O que se torna perigoso porque a noticia deixa de ser noticia e o conteudo é substituido por uma repetição, intuitivamente relativizada pelo leitor/espectador.
É facil sermos atirados para um novelo de pormenores secundários para que a tal noticia pequenina (no conteudo) e igual a muitas outras se torne, aos olhos do espectador, interessante... A TVI tem um mestrado nesse capitulo.
Ontem encontrei um pequeno texto, no suplemento Actual do jornal Expresso de há umas largas semanas, que me captou a leitura.
Poderia mesmo ter sido escrito há vários anos que, infelizmente, continuaria a ser actual. Seria fastidioso apresentar exemplos práticos que o confirmam, tal é o seu volume por demais evidente...
Mas o que me captou no texto que passo a transcrever a seguir foi a lucidez com que avalia o estado da justiça actual e a imagem com que ficamos da complexidade defensiva e confusa do discurso judicial.
Também aqui a repetição e ciclicidade de formas erradas de comunicação e discurso são sinónimo de opacidade preocupante...
Sobre a linguagem opaca do corpo judicial - ANTÓNIO GUERREIRO
"Nas parábolas de Kafka, a máquina infernal que arrasta as personagens para situações sem saída tem a forma de uma linguagem indecifrável ou causadora de equívocos.
Exemplo supremo é a personagem que fica até ao fim da vida à porta da lei, por ignorar que, afinal, ela está aberta.
Agora, que estamos submetidos diariamente ao discurso jurídico, podemos verificar que ele consiste em criar opacidade nas palavras, de tal modo que todos os problemas passam a ser linguagem.
Todos temos a sensação de que os juízes, procuradores, delegados se obstinam a falar com as mesmas palavras, no interior das quais se encerraram para sempre.
Não se trata de uma linguagem, como a da ciência ou da filosofia, codificada por necessidade de rigor conceptual.
Na ciência, esse rigor serve para evitar os equívocos, para não dizer com as palavras uma coisa diferente daquilo que se pretende.
Mas nesta linguagem jurídica que nos envolve acontece precisamente o contrário:
as palavras cristalizam-se, tornam-se corpos sem vida, e o que passou a ter significado é o acto de as proferir.
Assim, aquilo que se apresenta como a razão jurídica é afinal a performance de um corpo monstruoso: o corpo judicial."