terça-feira, novembro 09, 2010

Pangane - Nampula

Fim de dia em Pangane...
Algumas nuvens no horizonte e aos poucos um pôr do sol imponente que marcava as cores alaranjadas nos dois lados da fina aldeia rodeada de mar.
Tinhamos vontade de dar um mergulho mas a maré vazia transformada em casa de banho da aldeia acalmou-nos o impeto...


Por indicação dos pescadores chegámos à casa do Hashim. Seria a única opção para dormir...
Hashim só chegaria à noite, vindo do trabalho como "taxista de chapa". O trabalho na fabrica de transformação de peixe já tinha vivido melhores dias...
A sua mulher mostrou-nos as 3 cabanas que tinha para alugar.
Paredes de pedra empilhadas numa estrutura de canas enfiadas na areia, um telhado de colmo e uma janela feita de cartões.
Perfeito para uma noite, pensámos...

Combinámos um preço para o aluguer e os dois filhos trouxeram-nos redes mosquiteiras e lençois para as "amostras" de colchão embrulhados em plástico.
O mais novo fez questão de nos mostrar o seu brinquedo predilecto e exigir uma foto...
Tudo tão simples e genuino que nos deixa desarmados e com um sorriso de querer fazer algo mais para melhorar o futuro destas crianças...


Explorarámos a outra parte da aldeia com o filho mais velho como guia... E chegámos esfomeados!
Pedimos jantar. Para não variar seria arroz branco aromático com caril caseiro de peixe.
A fome era muita, a exigência pouca mas o jantar servido naquela mesa de plástico, na areia da "nossa" cabana soube maravilhosamente bem...
Antes apareceu Hashim (corpulento, aspecto arabe, cara fechada mas muito simpático) e o seu ajudante José que se comportava como um criado da roma antiga.
José trouxe-nos 2 baldes de agua e uma colher concha grande para tomarmos banho e uma lamparina. Seria também o guarda nocturno da nossa cabana...

Hashim confirmou que sairíamos às 4h30 (ui...) da manhã desde o centro da aldeia.
Iríamos na traseira do seu camião 4 x4 até o mais perto possível de Nampula.
O mais provável era termos que ficar algures num cruzamento interior a meio viagem onde passariam outros chapas, outras pick ups, camiões, autocarros, motos, e muita muita gente vinda do meio do nada a caminho não sei da onde...

Estávamos cansados do sol que apanhámos no barco e a precisar de dormir, ansiando através do sono recordar para sempre o festival de cores e peixes que vimos nas Quirimbas.
Complicado... Muito complicado...
Não poderíamos estar mais longe dessas visões paradisíacas!
O oscar para pior noite da viagem, com maioria absolutíssima, foi directo para Pangane.
As redes mosquiteiras estavam furadas em inúmeros pontos, os mosquitos eram muitos (mesmo muitos e agressivos), o calor bastante húmido e apesar dos sacos cama os colchões plastificados eram estupidamente desconfortáveis e comichosos...
A meio da noite ainda tive a sorte de ver um rato a passear pela parede da cabana, tratando-a por casa.
Quem não apanhou malária naquela noite, estaria safo para o resto dos kms em Africa, pensei...
A duvida de contagio foi um euromilhões Africano que nos acompanhou nos restantes dias... :)
Convém referir que só o mosquito fêmea é propagador de malária. (Onde é que eu já vi isto...)
Nunca pensei ser possivel abominar tanto a imagem de ser, a meio da noite, atacado por dezenas de persistentes fêmeas...
Foi portanto com bastante alivio, diria mesmo alegria suprema, que ouvimos o José bater à porta para arrumarmos a trouxa.
Pouco passava das 4h e era ainda noite cerrada.
Rapidamente a traseira do camião de Hashim encheu-se de barrotes de madeira, varas de ferro, sacos, malas, homens mulheres e crianças.
Sáltamos lá para trás e numa luta silenciosa tentámos garantir espaço para os pés e para as mochilas...Fez-se dia!
Não havia tempo a perder... As dunas esperavam!


O camião circulava a uma velocidade impressionante, saltando destemido por estradas esburacadas de areia, terra, lama...
Naquele contexto não é possível pensar em acidentes...
Para uma viagem deste tipo todos os males e imprevistos que possam acontecer têm sempre que ser relativizados e afastados do razoavel.
Só assim se consegue vibrar por completo com a magia de Africa!
E que magia bonita...

A paisagem ía mudando à medida que nos afastávamos da costa.
Passámos de uma paisagem de pequenas aldeias piscatórias à beira mar, estrada de areia rodeada de palmeiras esguias com macacos de pequeno e médio porte, para vegetação verde densa, estrada de terra batida castanha forte, palhotas isoladas e mais pessoas a andar à beira estrada sem destino aparente. Algumas pessoas de bicicleta mas a larga maioria a pé, descalças...
Como habitual até aqui, a grande maioria dos caminhantes esbuçava um 1º olhar timido para nós, seguido de um largo sorriso e um adeus misto de muita admiração e algum gozo.
Não é normal ver ocidentais sujeitarem-se aos transportes locais (transportes muito locais no caso concreto do itenerário pouco turistico da nossa "expedição").
Qualquer estrangeiro que se aventura a enfrentar o interior Moçambicano e as suas estradas de terra, regra geral tem: Dinheiro, Conhecimentos importantes no País e Bom Senso. Viajam num jipe ou numa pick up particular preparada para o efeito. É outro patamar de conforto, segurança e autonomia...
Nós não tinhamos nenhuma das 3 coisas... E assim seria a viagem, ao sabor das aventuras que daí adviriam.

Umas 4 horas depois chegámos a um cruzamento (o tal que já antecipámos...) no meio do nada, sujo, com oscilações curtas de muita gente/muito movimento e longos calmos silêncios...
Rapidamente despedimo-nos do hospitaleiro Hashim e trocámos um sincero até qualquer dia.

Tomámos o pequeno almoço (um chá e uma espécie de fartura bem oleosa para aguentar as horas que faltavam até Nampula) numa barraca de madeira muito concorrida enquanto esperávamos pelo autocarro que com sorte nos levaria directos (ai...ai...) sem ser necessário trocar noutro qualquer cruzamento poeirento....

Chegou...
Rápido!.. (nestas mudanças não dá para vacilar ou corre-se o risco de ir em pé umas horas...), mochilas para cima do autocarro, uma coca-cola semi-fresca regateada à janela com um vendedor ambulante, mais 5 a 6 horas e estava feito;)
Pela frente ainda tínhamos uma viagem com um percalço policial, pelo visto bem típico no continente africano...
Siga!!